quarta-feira, 31 de março de 2010

Com a faca - ou a isca? - nos dentes


Sempre me disseram que a raiva é a grande irmã do arrependimento, como se as atitudes tomadas em seu berço fossem sempre indevidas ou impensadas.

Por osmose fui me adequando a tal filosofia.

Criado pra defender no braço tudo que reluzisse a ouro para mim, fui assim crescendo, achando que poderia levar o mundo no peito sem precisar do sangue no zóio tão criticado por todos.

Desde os tempos em que dançava a vida, considerava isso como uma doutrina de gente pálida se esforçando pra parecer compreensiva e acima da dura violência imposta pelo mundão.

Como ouvia Olho Seco, e não a porcaria dos Novos Baianos, achava tudo balela pra domar peão na ilusão do paz e amor. Seja bonzinho, ganhe um amor e alguns domingos na pizzaria com mulher e filhos enquanto durar o casamento.

Mas a zumbilândia é tão popular que te faz repensar certas coisas, é bom se sentir confortável e o comodismo é uma das drogas mais gostosas e viciantes que já experimentei ( abaixo apenas da gordura animal e do monóxido de carbono).

Controle daqui, controle dali e alguns momentos bem azeitados na tranquilidade não tão rotineira em momentos passados fortificaram ainda mais a intenção de ser quase um Dalai Lama.


“O monge que enfie o discurso bonitinho no chacra que quiser...”.


Não entro naquelas de que o mundo é um inimigo a ser batido e que somos vítimas de tudo, não mesmo! Apenas tenho convicção que uma raivinha providencial deve sim merecer um passeio quando necessário.

Que seja nas ruas do meu bairro, nas alamedas dos bacanas ou até na saudosa Bahia com suas inocentes companhias. Ela merece sim ser mostrada quando é somente ela o que se tem a oferecer; sem focinheira, sem lero lero, babando colorido na vontade de dilacerar o papinho mole de ser cordeirinho na vida pra ser bem visto por gente fraca.

Revolução em si mesmo e no mundo nunca será feita com autocompaixão ou sob a alcunha de conciliador de situações. A paz e a calmaria só funcionam se sua adoção representar forte decisão, pacifismo é até um protesto válido desde que não seja passivo.


A faca nos dentes, para passar o mel ou encarar cangaceiros de ideias furadas é sempre uma boa pedida.




Na prisão ou na rua, lobo que uiva não tem medo da Lua!



quinta-feira, 25 de março de 2010

As flores de plástico não morrem


E assim, confuso pelo cheiro real e o forjado, começavam os últimos capítulos da doce história.

Não havia mais tempo para comparações ou julgamentos. Joca estava cansado e a flor não produzia mais nada que lhe fosse natural.

A poesia agora era aritmética e não provia apenas a glória das somas. Tudo era divisão e subtração; as operações mais fatigantes desse mundo.

Em meio à anunciação de que os caprichos eram espinhos e que as intuições da derrota prévia eram verdadeiras existiam bons momentos entre eles, já que o toque e a textura da flor já não soavam como únicas para seu agricultor.

A dedicação e o empenho dele, aos olhos da Flor, nunca foram únicos de fato e desde sempre ocuparam lugar reservado às desconfianças e sumiços repentinos.

Não havia naquele homem nada que pudesse suprir as necessidades de uma vida de luxo cercada de flores e cravos beneficiados com o glamour e as posses de terra.


Não demorou para que a flor com a ajuda dos quatro ventos espalhasse ao mundo o seu descontentamento e o quanto era relapso aquele que tinha sido seu bem querer. Lealdade não era palavra conhecida em seu dicionário, tanto quanto paciência não constava nos verbetes conhecidos por Joaquim.



A flor queria luxo, queria ser a princesa que não era!


O rapaz desejava conforto e uma princesa que não tinha!


Esse era o conflito que rapidamente foi resolvido com a volta às normalidades da vida pregressa de ambos.

Nas ruas hoje podemos ver a flor a lançar seus encantos a todos aqueles que tiverem paciência para a dança do cultivo e o agora empenhado Joaquim a ter certeza de suas convicções fortificadas em um balcão de um bar.

Tempos atrás, em tempos de saudades sentidas, chegaram a trocar cartas em busca de segredos sobre si mesmos.

A brutal sinceridade de um e os erros gritantes de escrita e interpretação de outro não deixaram duvidas: o encanto se quebrara em favos de mel, levando toda a cor de uma finita história.


“As flores de plástico não morrem,
simplesmente não nascem”

quarta-feira, 10 de março de 2010

Flor, e o Joca?





Era necessário rendição para mantê-la ali. Ou se aprendia a lição ou tudo poderia ser como ela quisesse.



Em crise de identidade e sem saber ao certo o que fazer com a preciosidade que tinha em mãos nosso Joaquim passou a perceber coisas que não se encaixavam no perímetro oferecido pelo belo vaso que abrigava a personagem cheirosa da história.

A flor mudava suas formas, deixando cada vez mais sua delicadeza de caráter deficiente menos real.

Aos poucos as exigências foram tomando conta de seu crescer e com isso deixavam insustentável a leveza do contato inicial entre os dois.

A beleza e o aroma ainda estavam lá, mas se sentir na obrigação de ser o único responsável por algo que nunca lhe foi claro rendia ao dono da flor muito mais preocupações que prazer.

Não existia mais compreensão entre o casal formado.

Afirmação confirmada com o tamanho cada vez maior dos vasos ocupados.
O que antes era segurança e proximidade havia se fantasiado de liberdade em canteiros cada vez maiores e libertos.

Esperta como era de sua espécie, a rara donzela não perdoava fraquezas daquele que lhe regava. Impunha horários, regras e maneiras em todas as ocasiões que tivesse oportunidade de fazê-lo, chegava a murchar se o zelo oferecido não fosse ao encontro de seu bel-prazer.

Em certa oportunidade, por ordem de seu capricho, abandonou seu canteiro com a ironia de quem sustenta o clamor de inocência em seus atos, viajando milhas para que o incrédulo Joca percebesse que poderia sair dali a hora que quisesse.


O sorriso estampado na face e as ofensas merecidas no bolso não contavam com a correção que o rápido resgate representava.

Era necessário rendição para mantê-la ali. Ou se aprendia a lição ou tudo poderia ser como ela quisesse.

Não era mais a flor a ser regada, inverteram-se os papéis sem aviso prévio.

Estava ali era o homem a ser talhado. Sem perceber necessitava de cada vez mais demonstrações da autenticidade de tudo, como fosse o soro de sua forçada fotossíntese.

Na ilha das ideologias apenas teimava não perceber que a valentia de aceitar condições não mais competia com sua recorrente falha em calcular os riscos.

Estava sendo engolido pelas certezas que negou e cada vez mais infectado pelo aroma subvertido à enxofre que o belo exemplar agora lhe oferecia...





“Nem tudo que é belo cheira bem
O belo é só o belo,
O cheiro sempre transborda de alguém.”

segunda-feira, 8 de março de 2010

E a flor Joca?

Era a própria contradição fugaz da natureza flagrada por poucos instantes


Joca andava falhando demais e já não era esperto o suficiente para calcular seus riscos.

Era mais um exemplo de quem se vê errado no mundo e preguiçosamente tenta se adequar aos seus caprichos.

Foi assim, com preguiça, que resolveu ser hora de se dedicar às flores, assim como todos já faziam há tempos.

Em meio a tantas espécies raras e mais atraentes aos seus olhos, optou por aquela que mais lhe chamara a atenção, guiado ferozmente pela estranheza que a aparente delicadeza lhe causava.

Flor roxa, de contornos estreitos e imensa facilidade de abrigar o canteiro de quase todos seus interessados, mas que lhes negava seu florescer ao raramente sobreviver à chegada da Primavera.


Como bom avoado Joaquim nunca soube definir se sua escolha havia se dado por pressa ou pelo desafio de ser ele o único capaz de possuir pela primeira vez a riqueza total de seu aroma.

O fato é que estava decidido: não utilizaria nenhum componente que burlasse a natureza da flor, conhece-la ao fundo seria primordial para seu sucesso e só assim se sentiria pleno de sua opção e de sua vitória.

E assim foi.

Sempre interessado em triunfar fez bico para quem dizia que a espécie requisitada era, digamos assim, delicadamente fora de suas expectativas. E mesmo com a negativa de seu instinto que lhe dizia a todo o momento que tal esforço não seria válido, foi em frente.

Tal como recompensa o zig zag dos ponteiros concretizou seus planos e antes do que esperava ali estava a flor nos moldes soprados por seus sonhos.


Contente um imenso vazio agora batia em seu peito...




"A ironia sempre faz morada nas entrelinhas, sejam tortas ou mal escritas... "


sexta-feira, 5 de março de 2010

Um lero com Angenor


Salve Xerém! Salve Itaquera! Salve Moema?! Santo Angenor do céu, por que tudo não é feito o subúrbio?!

Já andei por ruas floridas em áreas afastadas e em privilegiados planaltos paulistas, assim consigo concluir que algo de errado se encontra na alma dos habitantes do topo dessa pirâmide tão torta.

O papo não é nem o dinheiro, isso vem de berços lapidados bem antes do nascimento de qualquer Zé Mané e considerá-lo como pecado original é tão idiota quanto considerá-lo como vantagem.


Mas olha lá, não é que um cifrãozinho a mais muda a cabeça mole de um caboclo?!


E como no Brasilzão velho de guerra tudo é caricatura, não posso negar meus rabiscos aqui.


Creio que a experiência de convívio com pessoas reais, com dificuldades reais ao menos, não se faz por completo em lugares que não se conhece nem o vizinho. Em gaiolas high-tech os novos membros desse estilo de vida crescem sem ter a noção do que se passa em sua volta e acabam definindo tudo pela estética do momento.


Quer um exemplo?


Enquanto Itaquera tem seu reggae na rua como maneira de lazer aos seus, Perdizes tem "rastas" engajados em parecerem cada vez mais roots com a verba vinda de pais descompromissados.

O gueto propõe consciência e diversão, no burgo quem sabe você não consiga arrendar um sítio e por lá viver na ilusão de garoto branco africano...



Entenderam a pegada? São dois opostos, um ilusório e outro carente de estrutura.


O meu subúrbio é mais flutuante, paira sobre o que se quer ser e se concentra mais no que se é, como se as coisas parecessem mais com o que deveriam ser .

Conhecer todos seus vizinhos, saber o nome de quem lhe vende pão pelas manhãs e principalmente: saber conjugar o verbo respeitar desde muito cedo.Pode parecer balela defensiva, mas há boa dose de poesia nisso.

Pensar, calcular, analisar, premeditar, se defender....


Todos nós fazemos isso em um ambiente estranho que não nos pertence. Imagino e entendo os anseios pessoais do burguês e do mano correria; um na ilusão do querer ser e outro no desejo de se mostrar. Agora negar o desprezo a quem se monta na vida, isso não posso fazer.

Cá no subúrbio também temos nossos anseios, mas sempre ali com uma pézinho em cima do muro. Ninguém pende para um lado completamente.


Não clamamos tanto pela pomba branca da paz e nem precisamos dos gorjeios de um passarinho azul para provar que fazemos parte da SBPA (sociedade burguesa da produção de arte).


E olha só, achamos mais um exemplo do quão raso é esse universo :


O mundo tende a capitalizar tudo que for alvo de deslumbre do ser humano, a arte como tal vem engatada nesse contexto. Nêgo paga 500 malandros pra fazer teatro por mês, mas não percebe que a intervenção proposta sempre foi a subversão social; e assim nasce uma atriz para a grande SBPA.


Em termos parecidos temos os músicos por glamour , donos de estúdios particulares e tietes descabeçadas, imitando dolorosamente o que é feito em contextos reais. Gente que diz gostar de samba, mas que não sabe o que é o samba!
E nesse compasso eles vão seguindo, no falso embalo de fingir não estar fingindo, acreditando que realmente não são enganadores de si mesmos.


"Ah Angenor, se todos eles soubessem que arte pura só com um pé na pura marginalidade."


Nós que temos vizinhos com nomes e que vemos o caminhar confiante de zumbis travestidos sabemos que tudo não passa de lorota. Quem não quer se sentir culto ou correto? Todos queremos.

Entendo isso como quem entende o desejo pelo pote de ouro daquele que não tem um vintém, mas estes podem ser conquistados de qualquer maneira.

Originalidade no pensar já é outra coisa. Necessita de desapego e falta de vaidade. Só assim para se entender que uma alma pequena é sempre uma alma pequena. Seja em Itaquera ou em Moema.

A parte nobre da cidade cada vez mais sorri amarelo.

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Saudações especiais aos rastas paitrocinados, aos descolados efusivos de 143 caracteres e principalmente aos que sabem que quem possui os brinquedos mais caros nem sempre brinca melhor!

"Nem do gueto nem do burgo, o topo do Brasil sempre foi lá no meu subúrbio"

segunda-feira, 1 de março de 2010

Que macaco ser?



Fechando a tríade

Quem lê os dois últimos textos deve achar que tudo que faço é lamentar e que sinto orgulho imenso do cricricrismo.


Acontece que a vida não é feita de flores e lamento lhes dizer, mas você também terá dias ruins.


O pior de tudo é não estar pronto para estes, achar que tudo é florido se você quiser e que qualquer otimismo tolo fará com que os passarinhos voltem a cantar ao pé do ouvido.


Conheço muitos que pensam assim, eu quis pensar e consegui o quanto pude.




" Calma lá, tudo se encaixa ! ", diz o entusiasta.


- Só se for a saroba na sua tarracha!



Desagradavelmente se aprende que a merda do orgulho é necessária, que os punhos devem estar cerrados sempre quando se é um plebeu de fé e que nada, nem ninguém, poderá dizer que você está errado se a autenticidade estiver sempre presente.





Hoje em dia vejo muitos optarem pelo caminho da aceitação, ser bonzinho demais está na moda entre os vazios. Todo aquele que aparenta ser cabeça e repleto de compreensão para mim soa cada vez pior.




"Eu quero é tocar corneta o mais alto que puder, seja meu ranço fruto da vida ou de uma mulher"




Quando digo que prefiro ser ranzinza quero dizer que bater palma pra aprovar coisas ruins só se for em auditório de TV. Na vida se não se cobra o vizinho, o cobrado sempre é você. E o pior de tudo é que as cobranças em sua maioria são feitas pela caxola, a consciência que não dorme nunca...




Não é ser bicho do mato com feroz instinto de imposição. Ceder faz parte do bom convívio já que o mundo não é feito apenas das nossas verdades, mas acredito fielmente na lealdade a si mesmo. Essa sim verdadeira e, com ou sem poesia, libertadora.




Viver reparando nas coisas que lhe desagradam pode virar algo incontrolável, viver sorrindo pode ser desesperador; o fato é que a vida não é só graça, o fato é que a vida não é só dor.